segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Os intocáveis


A ficção tem retratado ultimamente muitos aspectos da cultura indiana, a ponto de os aficcionados na teledramaturgia não raras vezes usarem interjeições típicas da língua hindi do tipo “are baba”, por exemplo, que gradativamente foi se infiltrando como um neologismo praticamente comum no cotidiano dos brasileiros que acompanham avidamente a trama de Caminho das Índias. Como não poderia deixar de ser, a exposição das castas sociais no seio da sociedade indiana tem mostrado um enfoque que coloca o telespectador a par de uma cultura milenar que coloca em primeiro plano as classes privilegiadas e menospreza sem nenhum pudor a sua ralé.

Os párias ou dalitis são, por assim dizer, os desclassificados no sentido literal da palavra, pois a estes competem os serviços mais indesejáveis como varrer ruas e limpar fossas, que faria qualquer indiano de casta vomitar ou até mesmo passar mal só de pensar em fazê-lo. Por estes e outros motivos, os párias vivem sendo humilhados publicamente como se fossem uma poeira tóxica ou uma doença extremamente contagiosa, pois no contexto cultural indiano tocar na sombra de um daliti ou cruzar com este na rua representa um sinal nada auspicioso. E assim sobrevivem os excluídos desta nação de mais de um bilhão de habitantes, tendo todos os seus direitos grassados por uma cultura fundamentada nas desigualdades sociais, que nem mesmo a atual constituição indiana de 1947, quando a Índia se tornou independente do Império Britânico, que teve como grandes artífices Mohandas Gandhi e Jawaharlau Nehru, foi elaborada nos moldes das democracias ocidentais garantindo a igualdade de todos perante a lei.

Porém, nem mesmo a carta magna indiana se mostrou um instrumento capaz de assegurar garantias e liberdades para aqueles que almejavam acender socialmente, uma vez que a origem familiar ainda se constitui um fator preponderante para determinar a condição social de cada cidadão, ou em outras palavras, o tradicionalismo transcende a qualquer legislação vigente, visto que sob a perspectiva de uma cultura interiorizada o casamento entre pessoas de castas diferentes acontece com raríssimas exceções, sendo alvo preferencial de escárnio por parte daqueles que procuram manter a ferro e fogo a sobrevivência do sistema de castas, fundamentado no imobilismo social, beneficiando é claro, a classe dominante.

Sem dúvida, o lado positivo desta trama (Caminho das Índias) é o que nos leva a refletir sobre o exotismo mostrado na telinha, chegando a causar admiração e às vezes até repulsa diante de determinadas atitudes, contrastando com a cultura da sociedade brasileira, tornando assim inevitável o entre choque cultural. Por outro lado, somos levados a pensar sobre os nossos excluídos, que convenhamos não são poucos, como vivem, do que vivem e o que os levou a tal condição. Ao contrário dos dalitis, os pobres e miseráveis que habitam este país vivem quando podem da ação de almas caridosas e amparadas pelos programas sociais.

Trazendo para o contexto da sociedade brasileira, há uma grande dívida social com as classes menos favorecidas, uma vez que estas viveram por séculos desprovidas de condições mínimas de saúde e acesso à educação, ocasionando um analfabetismo que parece até hoje, na opinião de especialistas no assunto, um obstáculo longe de ser vencido. No que tange a classe dominante, a meu ver em determinados setores, como no senado, por exemplo, se assemelham mais a dalitis “às avessas”, uma vez que a grande mídia vem mostrando reportagens e revelações bombásticas sobre a conduta de senadores e assessores diretos em esquemas de corrupção que não condizem em nada com a postura de representantes na câmara alta do parlamento brasileiro. A despeito da saraivada de críticas perpetradas pela mídia, os acusados estão bem aquinhoados no círculo do poder, visto que indicaram direta ou indiretamente as autoridades que terão as prerrogativas para analisar, julgar e dar o veredicto, caracterizando neste compêndio o corporativismo que há muito vem contribuindo para o crescimento da mistificação do jeitinho brasileiro, onde só não há jeito pra morte, pois mesmo com acusações gravíssimas e/ou provas aparentemente insofismáveis, há quem permaneça a despeito da execração pública, intocável.

“Olho por olho e o mundo acabará cego”

Mohandas Gandhi

Fernando Araújo Radialista/Historiador/Professor

ffernandoaraujo@yahoo.com.br

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